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Alto índice de imóveis sem escritura nas capitais leva construtoras a investirem em tecnologia para auditoria
Uso de Inteligência artificial tem sido primordial para fechar negócio acelerar processo de aquisição de terrenos sem aumentar riscos
A falta de clareza do marco regulatório tem feito incorporadoras perderem negócios nos grandes centros. Isso porque há escassez de terrenos com documentação rigorosamente em dia. Para se ter uma ideia, dos 60 milhões de domicílios urbanos do Brasil, 30 milhões não possuem escritura, de acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). Ou seja, cerca da metade se encontra em situação irregular. Os demais são disputadíssimos, e quem não tem capacidade para fazer com agilidade uma boa due diligence, acaba ficando para trás. A solução tem sido a adoção de ferramentas baseadas em Inteligência Artificial (IA), para acelerar o processo e possibilitar a tomada de decisões antes da concorrência.
O sócio-fundador do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados, o advogado Marcelo Terra, explica um dos pontos de dificuldade para as incorporadoras e escritórios parceiros no momento de juntar e analisar a documentação de um terreno. “Para efeito de incorporação imobiliária, eu preciso ter certidão referente aos últimos dez anos. Mas hoje o mercado, na minha análise por um desvio de interpretação, exige que sejam estudados os últimos 20 anos porque pode ter uma ação judicial envolvendo a área há 11, 15 ou 20 anos, o que aumenta a complexidade”.
Terra concorda que, de fato, esse tipo de problema pode acontecer. Mas pondera que dobrar o período a ser apurado não é uma garantia total. “Ao contrário. Dentro da mesma lógica, após analisar 20 anos há o risco de ser surpreendido por uma ação aberta há 21 anos ou mais. Então, qual seria o período ideal?”, questiona, complementando: “Em tese, bastaria tirar a certidão da matrícula para saber se compra ou não com tranquilidade. Na prática, eu aconselho a tirar todas as certidões possíveis porque não se sabe qual será a interpretação, lá na frente, por exemplo, de um agente financiador. Será que ele fará a mesma avaliação que fizemos?” Adicionalmente, Marcelo Terra avalia que a expansão do escopo geográfico do estudo da documentação pode acrescentar mais camadas de complexidade à transação.
Marcia Bonilha, diretora do departamento Jurídico e de Compliance da Setin Incorporadora, reforça que apesar da concentração dos atos na matrícula do imóvel, nada se sobrepõe ao princípio da boa-fé. Segundo Bonilha, ainda, uma vez avaliados os riscos existentes, assumir ou não determinados riscos depende do perfil de cada empresário. É aí que a tecnologia se mostra decisiva para uma rápida e precisa averiguação da documentação de terrenos, casas, edifícios residenciais, comerciais ou industriais.
“Com um clique, a gente visualiza a matrícula, em dez segundos dá para saber quem é o proprietário do imóvel. Se tem algum ônus gravado, uma hipoteca, uma penhora, uma alienação fiduciária. Então, dá para fazer essa seleção rapidamente, de descartar ou não descartar o caso logo no começo da due diligence”, comenta Bonilha. Ela ressalta que a facilidade proporcionada pela tecnologia evita, inclusive, análises e negociações desnecessárias.
“Você já descarta aquilo que não é interessante. Antes a gente perdia tempo com reuniões com os proprietários para chegar a uma condição comercial. Depois de tempo e dinheiro despendido com confecção de minuta é que chegávamos na fase da diligência imobiliária. Duas semanas depois o terreno era descartado por algum problema ter aparecido. Coisa que, hoje, podemos eliminar antes de ter todo esse tempo gasto e sem os mesmos custos”, complementa.
A necessidade de agilidade e precisão no processo de due diligence se explica não apenas porque a concorrência é acirrada, o que exige rapidez, mas também porque os terrenos representam, em média, de 20% a 30% do valor total do empreendimento, sendo sua real matéria prima: algum apontamento jurídico não identificado antes da aquisição pode atrasar, encarecer ou até mesmo inviabilizar o projeto de incorporação vislumbrado.
As plataformas com automação e inteligência artificial ajudam não só na aceleração e aperfeiçoamento do processo de due diligence como também na avaliação de potenciais negócios com custo muito menor e maior eficiência. Antigamente, uma pesquisa de pessoas físicas ou jurídicas tinha de ser realizada na biblioteca de um Tribunal de Justiça e era preciso fazer cópias de documentos e pegar muita fila para tirar certidões. Hoje, com a IA, a assertividade é maior e o processo é mais célere, ainda mais quando envolve um alto volume de documentos.
Renata Soares, sócia-fundadora e CSO da Port Louis, empresa criadora da plataforma PortData, software que estrutura automaticamente data rooms para auditorias jurídicas, afirma que os advogados deveriam investir seu tempo onde existe maior valor cognitivo no processo, ou seja, a análise dos dados já compilados da documentação e apontamentos sinalizados. O levantamento da documentação, a estruturação de dados em relatórios com alerta de riscos, são trabalhos para a tecnologia com inteligência artificial. “Ao buscar a documentação tradicional nos emissores, além de outros dados relevantes técnica e juridicamente sobre o imóvel, nossa solução acelera o trabalho e ainda deixa explícitos os fatores preocupantes que merecem a atenção prioritária dos advogados envolvidos nas análises e decisões”, diz.
Marcelo Terra afirma que a IA tem suma importância na busca e tratamento da informação que chega mastigada para que o ser humano avalie e tome a decisão mais adequada. Ele ressalta, porém, que é preciso estar preparado para aproveitar ao máximo essa evolução. “Devemos nos adequar e nos adaptar a tudo isso. Claro que sempre tomando o cuidado para não tirar o foco e a sensibilidade da inteligência humana para avaliar o que a IA entrega em nossas mãos. A tecnologia é a melhor maneira de sermos ágeis e precisos apesar da burocracia e da legislação falha”.