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Brasil adota medidas tímidas contra a crise

Classe média brasileira é a 2ª mais tributada entre cinco países da América do Sul

Danielle Nogueira 


Em comparação a medidas adotadas em países da América do Sul, as decisões tomadas pelo governo brasileiro para aliviar o bolso do contribuinte e enfrentar a crise são consideradas tímidas. Levantamento da consultoria Ernst & Young mostra que, apesar da criação de novas alíquotas de Imposto de Renda no país, a classe média é a segunda mais tributada entre cinco países da região. Na Argentina e no Equador foram ampliados os limites de gastos dedutíveis do IR.


As decisões tomadas pelo governo Lula para aliviar o bolso do brasileiro em um momento de crise foram tímidas, se comparadas às adotadas por alguns de nossos vizinhos como Argentina e Equador. Levantamento da consultoria Ernst & Young, feito a pedido do GLOBO, com cinco países da América do Sul, mostra que, mesmo com a criação de novas alíquotas - 7,5% e 22,5% - de Imposto de Renda (IR ) no país, a classe média brasileira é a segunda mais tributada, perdendo apenas para a do Peru. Se consideradas as ações anticrise para preservação de empregos, o Chile sai na frente.

Embora com economias menores que a brasileira, argentinos e equatorianos foram apontados como mais ousados, por terem ampliado as deduções. No Equador, foi permitido deduzir gastos com educação, saúde, aluguel, além de alimentação e vestuário, com teto de US$10.250 anuais ou cerca de R$23 mil. Até então, a classe média não podia deduzir despesas. Na Argentina, foi revogado o fator de redução das deduções que incidem sobre o IR. Na prática, dependendo da faixa salarial do contribuinte, o redutor fazia com que o valor passível de dedução caísse à metade. Em 2009, será integral.

No Brasil, quem opta pelo modelo simplificado pode deduzir apenas até R$12.194,86 por ano, considerando o ano-base 2008 (a partir de 2009, o teto será de R$12.743,63). No modelo completo, é possível deduzir R$1.655,88 anuais por dependente (R$1.730,40 no ano-base 2009), além dos R$2.592,29 com despesas com instrução por dependente (R$2.708,94 em 2009). Deduções com saúde não têm limite, mas gastos com aluguel, alimentação e roupas não podem entrar na conta.

- Medidas como essa do Equador estão mais próximas da realidade. Se despesas cotidianas pudessem ser abatidas do IR, o contribuinte seria estimulado a consumir, injetando mais dinheiro na economia - diz Luiz Benedito, diretor de estudos técnicos do Unafisco, sindicato que reúne os auditores fiscais da Receita.

Especialista sugere ampliar deduções

No Brasil, a principal medida na área fiscal para combater a crise foi a criação das faixas intermediárias de IR de 7,5% (para renda entre R$1.4434,59 e R$2.150,00) e 22,5% (renda de R$2.866,71 a R$3.582,00). As novas alíquotas já valem para efeito dos salários pagos ao longo deste ano, mas só terão efeito sobre a declaração de IR em 2010. Até 2008, eram três: isento, 15% e 27,5%. De acordo com a Ernst & Young, a mudança gerou alívio anual máximo de R$1.162,46 para as famílias. Proporcionalmente, os ganhos foram maiores nas faixas entre R$1.500 e R$3 mil por mês, a chamada classe média C na classificação da Fundação Getulio Vargas (FGV).

- A mudança privilegiou castas dentro da classe C. Se a ideia era um pacote anticrise, deveria ter sido mais democrático - critica Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec-Rio.

- A medida foi importante, mas não suficiente para acabar com a defasagem de anos anteriores. Há espaço para mais ousadia - completa Oliver Kamakura, gerente sênior da área de assessoria tributária da Ernst & Young. Devido a reajustes abaixo da inflação, a tabela do IR acumula defasagem de 39,65% nos últimos 12 anos.

A timidez da medida brasileira fica clara quando se compara o valor do IR pago nos países latino-americanos. A Ernst & Young fez uma simulação em cinco países com uma família de classe média padrão - um casal e dois filhos pequenos - com renda de R$3.012,24 (US$1.320). Para obter o valor real do imposto pago sobre a renda (alíquota efetiva), foram consideradas todas as deduções possíveis.

Por esses parâmetros, uma família brasileira - que em 2008 era tributada pela alíquota nominal mais alta, de 27,5% - cairá para a faixa de 22,5% em 2009. Em termos reais, a queda foi de 4,7% para 2,3%. O ganho, no entanto, ainda nos deixa atrás em relação a nossos vizinhos. Na Argentina e na Colômbia, essa mesma família - ainda que com alíquotas nominais de 23% e 19%, respectivamente -, na prática, não pagará imposto em 2009. No Chile, a alíquota efetiva seria de 0,77%. Apenas no Peru o imposto devido seria maior, equivalente a 8,59% da renda. Não há dados disponíveis sobre o Equador para comparação.

Kamakura sugere que o Brasil amplie o leque de deduções, incluindo despesas com remédios e aluguel, além de elevar os limites atuais. Outra proposta é suspender impostos sobre empréstimos para a casa própria, como fez o Chile. Procurados, Receita Federal e Ministério da Fazenda não se manifestaram sobre o estudo.

O historiador e especialista em América do Sul Daniel Chaves, do Laboratório Tempo Presente da UFRJ, pondera que a ousadia de nações vizinhas deve ser entendida dentro de seu contexto político:

- No Equador, por exemplo, o compromisso com as bases é mais intenso, pois a sustentação do governo depende dessa aliança. Lá houve um divórcio com as elites. No Brasil, há uma busca por conciliação de interesses, não houve esse divórcio.

Se consideradas as ações para preservação de empregos, o Chile se destaca. No Brasil - onde quase 800 mil vagas foram fechadas desde o agravamento da crise - o número de parcelas de seguro-desemprego foi ampliado. O Chile permitiu dedução de gastos com treinamento de empregados e deu incentivos fiscais para contratação de mão-de-obra jovem.