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Covid-19: corremos o risco de uma explosão da inadimplência?
Antes do início das medidas de restrição a inadimplência já dava sinais de elevação
É fato que desde o final de 2019 os indicadores de inadimplência inverteram sua tendência de queda e voltaram a subir. Também é fato que a economia brasileira vinha engatando uma tendência de alta, mesmo que lenta e gradual.
A melhora das expectativas e da confiança dos consumidores ao longo de 2019 e a redução dos riscos levaram também à aceleração das concessões de crédito para pessoas físicas e jurídicas. O crédito passou a crescer a taxas superiores ao crescimento da renda.
Esse cenário logicamente levou a um aumento de endividamento das famílias, que passou a subir a partir do início de 2019, depois de um longo período de queda. E o crescimento lento da renda fez aumentar o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas, que também voltou a crescer depois atingir mínimas históricas.
O indicador de inadimplência da Boa Vista (elaborado a partir da quantidade de novos registros negativos informados pelas empresas em virtude do não pagamento de compromissos financeiros firmados) que chegou a recuar 3,25% na variação em 12 meses em agosto de 2019, já aponta queda bem menor em março de 2020, de 0,5%.
A inadimplência de pessoas físicas com recursos livres medida pelo Banco Central para o sistema financeiro (atrasos acima de 90 dias) atingiu o mínimo histórico de 4,7% entre fevereiro e abril de 2019, e de lá para cá vem subindo lentamente e já fechou fevereiro de 2020 em 5,1%.
Em outras palavras, o cenário pré medidas restritivas de combate à covid-19 já embutia um crescimento lento e gradual dos indicadores de inadimplência. E nossas expectativas para o final de 2020 para a taxa de inadimplência do sistema financeiro (Banco Central), era um pouco superior à de hoje, em torno de 5,3%.
Com as fortes mudanças pelas quais passamos em tão pouco tempo, alguns estão se perguntando: corremos o risco de uma explosão da inadimplência e de atingirmos ou superarmos os picos mais recentes da série histórica?
O maior pico da inadimplência recente registrado foi medido entre os anos de 2011 e 2012, sem nenhuma crise importante rondando o período. Pelo contrário, desemprego em baixa e economia em alta.
Mas o crescimento excessivo do crédito naquele momento levou a um rápido crescimento também do endividamento e do comprometimento da renda com dívidas, em um momento em que os juros eram bem mais elevados e os prazos de pagamentos bem mais apertados.
A taxa de inadimplência do Banco Central chegou a 7,2% em maio de 2012 (e permaneceu por ali até setembro), a maior de toda a série mais recente do BC, iniciada em março de 2011.
Nesse mesmo o período o indicador de novos registros de inadimplência da Boa Vista chegou a crescer acima dos 20% nas variações em 12 meses.
Por conta de um choque pelo lado da oferta, concedentes então resolveram fechar a torneira, subiram a régua e derrubaram as taxas de inadimplência para patamares até então desconhecidos.
Ao se unir à crise iniciada em 2014, que limou a confiança dos consumidores, a inadimplência atingiu até então sua mínima histórica em março de 2015 (5,16%).
Mas a forte de crise de 2015/2016 dobrou a taxa de desemprego e a taxa de inadimplência voltou a subir sem parar até chegar ao seu segundo maior valor da série histórica do BC, 6,32% em maio de 2016.
De lá para 2019, o consumidor se retraiu, fugiu dos mercados de crédito e abriu espaço para um recuo sustentado da inadimplência. Esse choque, agora do lado da demanda, levou a inadimplência para o seu menor valor, como já citado aqui.
Mas, o que vem pela frente? Sempre que nos encontramos no meio de uma tormenta como esta, qualquer previsão é sempre muito arriscada. O ato de prever já é imperfeito em tempos normais, mas em momentos turbulentos ele se torna praticamente irrecomendável.
E presenciamos uma situação inusitada, na qual lidamos com choques pelo lado da oferta e pelo lado da demanda. Concedentes fugindo dos riscos impostos com o novo cenário e consumidores e empresas desconfiados demais para tomar empréstimos mais longos, a não ser pela necessidade que o momento pode gerar.
A duração desse período de restrição, o tempo de reação dos diversos setores e o quão efetivas serão as medidas propostas para atingir aqueles mais afetados pelas restrições vão determinar os rumos das variáveis econômicas.
Não sabemos ainda qual será o alcance e a eficiência do enorme conjunto de medidas apresentadas que tentam mitigar os efeitos das restrições impostas pela covid-19, mas é certo que têm magnitude para evitar uma explosão dos indicadores de inadimplência ao aumentar a capacidade de pagamento dos consumidores, ao postergar os desembolsos de parcelas de empréstimos e financiamentos e até mesmo ao flexibilizar o prazo de exibição dos registros no cadastro de inadimplentes.
A pandemia pela qual passamos não chega a ser um cisne negro no conceito de Nassim Taleb, pois suas características de certa forma já eram conhecidas desde as primeiras informações que vieram do oriente, mas surpreendentemente acabou pegando todo o ocidente despreparado como se fosse algo totalmente inesperado.
No meio da tempestade nem os melhores modelos econométricos conseguem captar adequadamente os sinais. Os eventos mais comuns são previstos nos modelos estatísticos tradicionais, mas os eventos raros, e normalmente mais impactantes, são imprevisíveis exatamente por estarem nas extremidades e por serem aleatórios, e normalmente ficam às margens dos modelos.
Eventos aleatórios criam desafios lógicos que podem trazer consequências indesejáveis. Nem sempre é possível fazer projeções confiáveis, e entender nossos limites é a arma mais potente para aprendermos a agir diante do imprevisível.
E como agir diante do imprevisível no mercado de crédito? Como defende o próprio Taleb, o único jeito de se precaver destes impactos imprevisíveis é a informação. Quanto mais informação você tem, menor a probabilidade de ser atingido. Usar informação ao nosso favor é a forma mais adequada de combatermos o imprevisível
Nesse sentido o mercado de crédito no Brasil tem uma vantagem. A verdadeira revolução por que vem passando ao longo dos últimos anos vem aumentando significativamente a quantidade de informações disponíveis sobre consumidores e empresas, reduzindo sobremaneira os riscos das concessões e da probabilidade de inadimplência futura.
Uma das principais novidades, o cadastro positivo, já funciona a pleno vapor desde meados 2019 e é capaz de substituir de forma muito mais robusta e assertiva as análises de crédito que antes baseavam-se fundamentalmente em informações negativas e melhorar a capacidade dos concedentes de calcular apropriadamente o risco de suas operações.
A quantidade de informações incorporadas aos novos modelos aumenta exponencialmente a capacidade de análise e reduz os riscos do sistema financeiro.
Mas, e a inadimplência, para onde vai, afinal? O que sabemos? Vínhamos em uma tendência de elevação, que foi altamente impactada por um novo e potente vírus.
Em condições normais, isso provavelmente seria suficiente para elevar substancialmente os patamares da inadimplência. Uma série de medidas emergenciais foram lançadas, e o mercado de crédito pode fazer uso de sua mais nova arma nessa guerra.
A magnitude dessa elevação, assim, vai depender da gravidade da doença, da dose e da efetividade dos remédios prescritos, e da reação dos pacientes.